domingo, 11 de agosto de 2013

Histórias da Dona Têca - conto n° 1


Rasga Mortalha

De todas as superstições que minha avó teve, a da Rasga-mortalha era a que mais a amedrontava. Se ela ouvisse o canto da coruja, podia jurar que no dia seguinte um parente ou conhecido seu morreria.
A coruja, mais conhecida como rasga-mortalha tinha justamente esse nome por que o seu canto significava agouro dos fortes. Minha avó não duvidava disso. E ela dizia ter os devidos fundamentos que validassem sua crença. Não, ela nunca aceitou a ideia de que a pássaro que previa a morte era apenas uma de tantas outras superstições.
 O fato é que em Palmeira dos Índios, como em outras cidadezinhas do interior de Alagoas, são comuns as notas de falecimento. Os familiares do falecido contratam um carro de som para andar pelas ruas comunicando quem foi o fulano que morreu, como ele era mais conhecido, o nome do pai, da mãe, dos filhos (se tivesse) e outros parentes.
E não tinha um dia que o carro de som não passasse nas ruas da cidade para anunciar a morte ou missa da morte de algum conhecido da minha avó. Conhecido sim, porque Terezinha podia jurar que sabia de quem se tratava naquele anúncio que estava passando. “Eita, Dona Margarida, aquela minha vizinha na época em que eu era solteira, morreu”, “Seu Jorge, aquele senhor que trabalhou com Cícero, faleceu”, dizia. Ela ouviu muitas notas de falecimento em toda a sua vida, o carro de som passava em frente a sua casa. Quase todos os dias morria gente na cidade, e o carro de som danava-se a anunciar. Quando não era morte, era o convite para a missa de sétimo dia, do primeiro mês ou do primeiro ano de falecimento.
Dona Terezinha tinha uma espécie de obsessão pela rasga-mortalha e pelo carro de som. Quando este passava na rua, com o anúncio: “Nota de falecimento. Convite.” ela interrompia qualquer atividade para correr até a janela e ouvir mais de perto que acabara de morrer. Quando o anúncio era de missa, ela simplesmente sacudia os ombros, decepcionada pelo aviso da coruja não ter sido confirmado. Mas isso não significava que a previsão tinha falhado, pois naquele dia ainda haveria morte, por mais que o carro de som não anunciasse, já que nem todo o mundo tinha condições de pagar o anúncio.
Para ela a rasga-mortalha anunciava a morte dessas pessoas de graça. Se o carro anunciava com o som, o pássaro anunciava com os gritos, e aquele servia apenas para confirmar este. E ai de quem dissesse ser mera superstição! Ela não aceitava que assim como o carro de som passava todos os dias, o pássaro também cantava todos os dias, sendo isso tudo apenas coincidência. Sua história prevalecia sobre qualquer outra explicação racional. 

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